A alta de infecções de dengue e zika pode estar relacionada a uma condição favorável no mosquito Aedes aegypti, transmissor das doenças. Uma pesquisa da UFMG identificou que a presença de dois vírus específicos no mosquito, quando simultânea à infecção do vírus da dengue, acelera em até 10 vezes a transmissão em humanos, isto é, um só mosquito fica capaz de transmitir a doença para até 10 vezes mais pessoas.
É a chamada associação positiva para o mosquito Aedes aegypti. Aqueles que carregam, além do vírus da dengue, outros dois vírus que não apresentam prejuízo à saúde humana – o Humaita Tubiacanga virus (HTV) e o Phasi Charoen-like virus (PCLV) -, se mostram muito bem adaptados e diminuem o tempo de incubação do vírus da dengue. Por isso, o período de transmissão em humanos começa mais cedo e atinge mais pessoas.
De acordo com o líder da pesquisa, o professor João Trindade Marques, do Departamento de Bioquímica e Imunologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG, esses dois vírus estimulantes da dengue são exatamente os mais comuns nos mosquitos. “Em insetos, é natural ocorrer múltiplas infecções. Alguns carregam até seis vírus diferentes. E o que se destaca nestes dois vírus, o HTV e o PCLV, é que eles são os mais presentes na população de mosquitos globalmente”, explica.
Vale lembrar que os mosquitos Aedes aegypti não ficam doentes ao carregar os vírus e os transmitem ao sugar sangue humano para produzir ovos. Eles estão tão adaptados à vida urbana e a se alimentar de sangue de pessoas que o enfrentamento das doenças ainda é um desafio. “O Aedes aegypti é central para a presença maciça de dengue na população humana. Ele está adaptado às infecções virais e ao ambiente urbano, além de preferir sangue humano. Para o vírus da dengue, é um transmissor perfeito”, afirma Marques.
Com a descoberta do estudo, uma das únicas fraquezas do mosquito recebeu uma vantagem. Cada mosquito vive em torno de 30 dias, o que garante um tempo relativamente curto para transmitir a dengue. Porém, com a associação com os vírus HTV e o PCLV, mais pessoas podem ser picadas. “A presença desses vírus facilita a replicação do vírus, em um ciclo de transmissão mais rápido e eficiente. Como diminui o tempo de ativação do vírus da dengue, a transmissão começa mais cedo e se multiplica muito mais rápido”, continua o professor.
Só para se ter uma ideia, há casos em que um só mosquito Aedes aegypti transmitiu dengue para cinco pessoas de uma mesma família no mesmo dia, segundo informação da Fiocruz. Na condição vantajosa descoberta no estudo, o vírus ganha entre 2 a 3 dias a mais para transmissão.
Novas formas de enfrentar a dengue
De acordo com o autor do estudo, que foi publicado na revista Nature Microbiology, João Trindade Marques, a descoberta sobre a relação dos vírus com a transmissão da dengue pode ser usada para melhorar o enfrentamento da doença.
O primeiro caminho é entender, agora, que o número de mosquitos em uma região não reflete significativamente em maior número de casos, mas os vírus presentes nesses mosquitos sim. Nasce daí uma nova forma de apurar risco de surto da doença. “Pode ser analisada a flutuação ano a ano da presença desses vírus nos mosquitos em relação ao registro de casos, por exemplo”, explica Marques.
Outra opção é modificar geneticamente os insetos para que os vírus não se tornem mais ameaça aos humanos. “Se conseguíssemos eliminar esses vírus da população de mosquitos, automaticamente a população humana se tornaria menos exposta ao vírus da dengue”. Ou ampliar o mercado de soluções farmacêuticas para a dengue. “Nós poderíamos descobrir, por exemplo, drogas que serviriam como antiviral para o mosquito, para que ele se cure”, continua Marques, entendendo que, assim, não seria mais transmitido o vírus da dengue de inseto ao humano.
Dengue em Minas cresce espontaneamente
No ano de 2022, 65 mortes foram confirmadas pela doença. O número é 983% maior que o registrado em 2021, quando 6 mortes foram confirmadas. É como se, a cada mês, a dengue deixasse 5 vítimas.
As informações do Boletim da Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais indicam que, em todo o Estado, mais de 70 mil pessoas tiveram dengue em 2022. O salto no número de casos é de, 356% com relação a 2021, quando foram registradas 15.441 pessoas com o vírus da dengue.
Fonte: O Tempo